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Advaita Vedanta

Cada vez se fala mais de não-dualidade.

Não faltam professores iluminados por este ocidente. Já lá vai o tempo em que para usufrutar de espiritualidade era necessário ir à Índia. Os gurus em massa povoam agora o mundo ocidental. Só para falar das versões mais modernas: Adyashanti, Mooji, Rupert Spira, Pamela Wilson, Francis Lucile, Tony Parsons, , Ramesh Balsekar, Karl Renz, alguns dos nomes mais conhecidos entre as centenas, se não, milhares.

A introdução que se segue é uma explanação da Advaita Vedanda com um teor mais tradicional.

Swami Tadamananda, discípulo de Pujya Swami Dayananda, e fundador do centro americano Arsha Bodha, divide toda a história do desenvolvimento da Advaita em 3 períodos:

  • A Idade dos Richis (800-500 AC),
  • a Idade dos Mestres (700-1800 DC) e
  • a Idade Global (1800 até ao presente).

Nas escrituras sânscritas consideradas sagradas, os Vedas, foi revelada a essência do ensinamento Advaita que tem como fim conduzir-nos à consciência da não-dualidade, a essência do nosso verdadeiro ser, a felicidade e a paz, o que significa iluminação.

Os Vedas, que têm com autores os Richis, são o Rig Veda, o Sama Vada, o Yajur Veda e o Atharva Veda e constituem a base daquilo a que apelidámos no ocidente Hinduísmo. Só uma pequena parte dos Vedas é não dualista, os Upanishad, os quais formam a base da Advaita Vedanta. Os Upanishad são denominados Vedanta que significa: o que está no fim dos Vedas.

Central no Chandogya Upanishad pode ler-se que nomes e formas (nama-rupa), ideias, conceitos, e todo o mundo físico, não são realidades. Este conceito de realidade é muito importante para compreender tanto hinduísmo como budismo. O mundo é nada mais nem menos que aparência (forma) de um substrato não-dual.

É feita uma distinção entre o real, aquilo que tem uma existência independente (satyam) e o dependente de algo para poder existir (mithya). Uma púcara não pode existir sem barro enquanto o barro não precisa da púcara para existir. Uma mesa é simplesmente uma forma, a madeira é a substância. Mas isso é muito relativo, pois a madeira é forma em relação a fibras de celulose as quais são forma em relação a células e assim por diante – moléculas, átomos, protões, neutrões, eletrões, quarks… A ideia base é que nenhuma forma pode existir sem uma substância que por sua vez é forma de outra e assim infinitamente. Assim, nada é verdadeiramente “real”. Só com uma exceção.

À realidade que suporta todas as formas foi chamada Brahman pelos Richis. A Verdade da não-dualidade, segundo os Richis, declara que a primeira causa não tem causa, ela sempre existiu. Esta primeira causa é o não-dual Brahman. Tudo é expressão de Brahman e Brahman (satyam) é Atman, o verdadeiro Self, o self de tudo o que existe. Não há, portanto, separação entre o eu, o universo e Brahman.

A mais alta declaração da verdade (mahavakya) revelada no Chandogya Upanishad é

Tat tvam asi

(“tu és Isso”)

Atman, o Self, o Eu verdadeiro, a nossa essência e Brahman, a Consciência Ilimitada, são equivalentes.

Esta alta declaração da verdade, desde que assimilada profundamente, conduz ao conhecimento da não-dualidade, à libertação do sofrimento e ao puro contentamento.

Os textos Upanishads, que se encontram no fim (anta) dos Vedas, foram comentados, clarificados, explicados, através dos tempos, na chamada Idade dos Mestres, de 700 a 1800 DC. Shankara, discípulo de Guadapada, escreveu muitos comentários sobre os 10 Upanishads, o Bhagavad Gita e o Brahma Sutra e ainda outros documentos soltos. É ele o autor da célebre citação:

“Brahman é a realidade,

o mundo em si mesmo não é real

e o eu individual não se diferencia de Brahman”

(brahma satyam, jaganmithya, jivo brahmaivan aparah).

O conjunto dos ensinamentos é chamado Advaita Vedanta (veda + anta) e baseia-se em 3 pilares: as escrituras sagradas, a experiência pessoal e a razão.

Uma pergunta clássica que se põe, continuando a citar aqui Swami Tadamananda, é esta: Como pode um mundo dual emergir da não-dualidade? Que o mundo seja como as muitas púcaras criadas de um só barro, não explica totalmente a questão.

Vejamos:

Em Advaita Vedanta há 3 níveis ou ordens de “realidade”:

  • “Imaginação”, a ilusão que experimentamos no sonho e que se nos afigura como real – só acordado é que se tem consciência que se trata de projeções. Os sonhos são o resultado do poder criativo da mente e são feitos de consciência (awareness);
  • “Estado desperto”, que corresponde à realidade diária, ao estado de vigília – assumimos normalmente este nível como sendo real;
  • “Brahman não-dual”, que corresponde ao estado de sono profundo sem sonhos – no sono profundo é assumido que há plena consciência mas não há objetos e, por isso, não há nada para estar consciente. A mente está em silêncio. É como estar num quarto completamente escuro com os olhos abertos.

Só desperto da ignorância se descobre verdadeiramente a irrealidade do mundo (nama-rupa – nome e forma) – nada no mundo existe realmente, é unicamente a forma de uma realidade subjacente, Brahman.

Tudo o que experimentamos no mundo nada mais é que Brahman.

Tal como o mundo dos sonhos (experiência dual) surge da consciência não-dual, assim o mundo empiricamente real emerge do Brahman não-dual.

O mundo emerge a partir de Brahmán não-dual devido ao poder criativo de “Maya” que deu origem ao universo. Maya é o poder da criação.

Mas como pode ser Brahmán não-dual se existe um poder independente, Maya? A resposta parece não poder ser dada tão facilmente.

Sobre isso, Shankara conta-nos uma metáfora racionalmente intrigante: Um rei ao deixar o seu reino deixou os seus pertences, 17 elefantes, para serem repartidos pelos seus 3 filhos. O mais velho receberia metade dos 17 elefantes, o do meio receberia um terço e o mais novo, um nono. Divisão impossível. O problema só foi resolvido quando um ministro do reino disponibilizou o seu próprio elefante e eles puderam assim dividir os 18 elefantes. O mais velho ficou com 9 elefantes, o do meio com 6 e o mais novo com 2. No total, 17 elefantes. O ministro pôde então recuperar o seu elefante.

Matéria para pensar. O que é verdade? O que é real?

A própria Advaita não é uma verdade absoluta. Só Brahman é real. Os ensinamentos da Advaita pertencem ao mundo empírico e não é “real”. São, por assim dizer, como o 18º elefante, uma solução prática. O objetivo é eliminar a ignorância. Advaita Vedanta é o conjunto de ensinos e práticas para nos livrar da ignorância e assim do sofrimento e realizar a verdade não-dual de Brahman. Outra metáfora muito utilizada fala do dedo apontando a lua. O dedo aponta a lua, não é a lua. A intenção é levar a reconhecer o Brahman não-dual que sempre esteve presente mas de que ainda não nos apercebemos de que se trata da nossa verdadeira natureza.

Por volta de 1800 entramos, segundo Swami Tadamananda, na chamada Idade Global, um novo período de desenvolvimento da Advaita Vedanta. Por um lado começam a ser traduzidos e publicados toda uma série de documentos que alguns conhecedores tradicionais consideram defeituosos, por outro lado podemos considerar que no século XIX tem lugar uma revitalização dos ensinamentos e a grande propagação no ocidente.

Surgem novos representantes, uns mais assentes na tradição, outros com base no seu próprio despertar espiritual. Talvez o mais conceitual, entre todas as tradições e correntes, seja Ramana Maharshi conhecido pela sistemática repetição da pergunta “Quem sou” como método de investigação. Rmakrishna Paramahamsa e seu seguidor, bastante conhecido no ocidente, Swami Vivekananda, dão origem a um movimento conhecido como neo-Vedanta. Os seguidores podem seguir um dos 4 caminhos do yoga que acham mais adequado à sua própria estrutura pessoal (jnana yoga – conhecimento; bhakti yoga – devoção; karma yoga – serviço; raja yoga – meditação).

Mestres mais tradicionais acham a prática conjunta dos 4 caminhos como imprescindível.

A partir de Babaji ( H. W. L. Poonja) desenvolve-se um sistema baseado em perguntas e respostas conhecido como satsang, a que Swami Tadamananda chama neo-Advaita e que acentua que Brahman não-dual  é a nossa própria natureza pelo que não é necessário fazer seja o que for, pelo contrário, as práticas espirituais podem afastar-nos e fortalecer a ilusão e a ignorância.

O conhecimento do Brahman não-dual é o principal meio para iluminação. Segundo os mestres tradicionais, para cozinharmos arroz, precisamos de panela, água e arroz e quem cozinha é o fogo, quer dizer, se a ignorância só pode ser anulado pelo conhecimento (jnana), ele não se manifestará sem meditação, devoção e ação.