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Estado COACH

Esqueça a espuma e contemple o mar, noite e dia!
Você vem olhando para a ondulação da espuma e não para o poderoso mar;
Como barcos, somos jogados daqui para ali,
Somos cegos, embora estejamos no brilhante oceano;
Ah! Você que dorme no barco do corpo,
Veja a água; contemple a Água das águas!
Sob a água que você vê, há outra água que a move,
Dentro do espírito há um espírito que o chama.

 Rumi

Uma definição

Podemos definir o estado COACH como uma prática para chegar a um estado psicológico oposto ao estado natural de stress, o estado em que uma grande parte de nós passa a maior parte do tempo. Através dessa prática, desenvolvida a partir da Programação NeuroLinguística e do Transe Generativo e inspirada na cultura oriental, podemos facilmente chegar a um estado que nos vai permitir viver uma vida de forma tanto mais saudável, empática e aprazível, como naturalmente funcional.

O que é um “Eu”?

Vamos considerar neste modelo o eu psicológico (em grande parte com base no mBraining de Grant Soosalu & Marwin Oka e interpretações da neurociência) como um aglomerado de elementos interdependentes que agem e reagem ao mundo de forma automática possuindo um certo grau de consciência. Podemos vê-lo como a soma e interação de 3 componentes: uma componente cognitiva, uma somática e uma relacional. Famos aqui de 3 mentes situadas em 3 partes do corpo correlacionadas com as 3 partes do cérebro.

A mente cognitiva, para a qual geralmente apontamos simbolicamente para a cabeça, é considerada responsável pelas funções cognitivas, razão, padrões de raciocínio, criatividade. Desenvolve-se até aos 20 anos de idade. Manifesta-se através de um diálogo interno contínuo feito de imagens e linguagem, usa símbolos, metáforas, narrativas que nos contamos a nós mesmos atribuindo ininterruptamente significados. Tem uma necessidade enorme de controlo a partir de um modelo do mundo feito de crenças, valores, normas, que vão funcionar como filtro para nos interpretarmos e para interpretar mundo. Tem o seu correlato no

neocórtex, considerado a parte do cérebro desenvolvida mais recentemente do ser humano, a mais desenvolvida em termos de sinapses, onde se opera a consciência racional e lógica, capaz de pensamento complexo que permitiu a evolução da fala e da escrita e do pensamento refletivo. Envolve portanto pensamentos, memórias, análises; torna possível, criar significados, objetivos com “sentido”; é capaz de viajar no tempo (ir ao passado e futuro em pensamento), recordar e planear, permitindo aumentar possibilidades de sobrevivência (prever e antecipar).

Dividimos a componente somática em mente cardíaca e a mente entérica. A mente cardíaca que experienciamos localizada no coração é responsável pelas emoções, afeto, sensações, amor, empatia, compaixão e sentido de conexão. Está associada aos valores, crenças e moral. Sensível à musicalidade e estética sabe 

apreciar o belo. Aí residem os fundamentos para o sonho e uma construção ideal de si e do mundo. O seu correlato é o cérebro límbico característico de todos os mamíferos e que tem o seu desenvolvimento no ser humano até aos 5 anos de idade. É a parte emocional do cérebro. Procura ter prazer de forma o mais fácil possível e afastar a dor e as dificuldades. Está conectado portanto com o sistema de recompensa (prazer) e castigo (dor). Escolhe o caminho da menor resistência.

À mente entérica situada no abdómen são atribuídas características como coragem, ação, mobilidade. É responsável pela nossa autopreservação, pela proteção, pela motivação visceral, saciedade, compulsão, repulsa, medo, apreensão e ansiedade. Traduz-se fisicamente de forma muito concreta pela sensação popularmente chamada de “borboletas” no estômago ou contrações musculares.

É aí que é sentido, de forma mais intensa, o cerne da nossa identidade. Corresponde ao cérebro reptilíneo, a nossa consciência irracional, atenta ao perigo, à comida e ao sexo. É de onde emerge a nossa energia e aquilo que dominamos às vezes de “temperamento”.

Perante o perigo impele automaticamente à luta, à fuga ou à paralisação. É responsável pelas funções vitais: respiração, funcionamento do coração e digestão. Funciona a partir do instinto e da rotina pela repetição de padrões difíceis de serem transformados. É o lugar para novas aprendizagens à base de muita repetição.

Podemos considerar a mente relacional ou mente do campo com duas componentes interligadas, uma interna e outra externa. A parte interna refere-se à relação e interligação entre as três mentes e a externa à conexão com o mundo, todo o espaço infinito

que se estende para além de nós: o ambiente, o espaço social, a cultura, a família, a profissão, mas também os mitos, os deuses, o inconsciente coletivo

Resumindo

  • Mente cognitiva: processos cognitivos, perceção, pensamento, linguagem e atribuição de significados;
  • Mente cardíaca: emoções, valores e prioridades e relações afetivas;
  • Mente entérica: autopreservação, coragem e impulso para a ação e sentido de identidade;
  • Mente de campo: a dimensão espiritual, a conexão ao que está para além de nós.

O funcionamento da mente

Toda a vida animal consiste no processo: perceção – ação. Os sentidos entram em contacto com o mundo e reagem ao mundo. Isto tem lugar desde os primeiros momentos de existência – uma reação pura, imediata, instintiva.

No ser humano este processo adquire maior complexidade à medida que crescemos, acompanhando sobretudo o desenvolvimento da linguagem. Começamos a dar significado às nossa perceções, a classificá-las, sobretudo, em termos de agradáveis e desagradáveis, a tirar conclusões na forma de normas, regras, convicções e assim, a criar aquilo a que chamamos um modelo do mundo. Preenchemos cada vez mais a nossa mente de conteúdo imaginário. Essa construção imaginária é feita à base das nossas tendências naturais, genes, modelo do mundo dos pais, professores e outras autoridades, hábitos, cultura em geral, etc.), construção essa que se vai tornando cada vez mais consistente. Esse modelo imaginário vai servir para, inconscientemente, a partir daí, interpretarmos o mundo.

É a este conteúdo imaginário que chamamos filtros. Em PNL estes filtros, em geral de uma forma um tanto simplista, são etiquetados como “limitadores” ou “ilimitados”, dependendo da sua funcionalidade para a pessoa.

As grandes mudanças de paradigma que podem ocorrer em nós, segundo aquilo que tenho visto como formador, não ocorre com a tomada de consciência que os filtros são ilimitados ou não, ou se são transformados de negativos em positivos, ou nas técnicas “extraordinárias” da PNL, mas na tomada de consciência experiencial, com acento no experiencial, de que tudo o que acontece na mente não tem realidade própria nem nada a ver com verdade e factos, mas que são apenas pensamentos, projeções de modelos do mundo. O processo mental é um circulo vicioso automático de palavras e imagens que produz estados e decisões independentemente de qualquer vontade própria. Mesmo quando pensamos ter tomado cognitivamente uma decisão, essa ilusão é muito provavelmente produzida por uma justificação mental construída após a decisão ter sido inconscientemente tomada.

Esta consciência do funcionamento da mente permite um distanciamento (“dissociação”) que nos facilita a libertação de padrões e automatismos adquiridos no decorrer da vida.

Como criar um break neste processo automático? Coach, terapia, ioga, meditação, têm como fim, ou transformar filtros considerados negativos em filtros positivos ou até mesmo estabelecer um corte radical no piloto automático para uma maior tomada de consciência e liberdade. Neste contexto vem-nos do oriente o termo: “iluminação”.

Ora dentro deste quadro, onde estamos com o estado COACH?

A natureza da transformação

Todo o arsenal de técnicas em PNL tem como fim:

    • 1º- tomada de consciência destes processos inconscientes automáticos;
    • 2: transformar filtros negativos em positivos (memórias, valores, convicções, meta programas, padrões linguísticos, representações mentais, comportamentos). Os filtros são considerados positivos ou negativos em relação aos objetivos que a pessoa se propões atingir.

 

Para compreender a natureza de qualquer transformação é preciso perceber em que é que ela consiste. Qualquer transformação consiste na criação de um estado sensorial adequado à situação concreta. Costumamos dizer: O “estado” é tudo. Desde que estejamos num estado “positivo” (quer dizer, funcional, isto é, utilizando as competências necessárias para lidar de forma ótima com a situação) então podemos lidar com a situação com possibilidades de “sucesso”.

Ora a grande pergunta é esta. Não haverá um estado ótimo adequado para lidar com todas as situações, estado esse que exprima a melhor versão de nós? Ora é precisamente isso que se pretende com o estado de COACH. Este estado sensorial é fruto dos anos de experiência e contribuição para o desenvolvimento da PNL de Robert Dilts, e de Stephen Gilligan nos campos da psicoterapia e da hipnose, essencialmente da hipnose moderna de Milton Erickson…

Estados CRASH e COACH

Perceber melhor o estado COACH torna-se mais fácil se tomarmos maior consciência do que não é esse estado, o nosso estado tornado natural na sociedade em que vivemos, estado esse que denominamos através da sigla CRASH:

C ontraction

R eaction

A nalysys

S eparation

H urt

CRASH é, em maior ou menor grau, o estado normal em que parte das pessoas se encontra grande parte do tempo, muitas vezes sem dar por isso. Habituamo-nos a tudo e assim, para muita gente, o estado CRASH torna-se um estado quase natural. Em que consiste?

C ontraction refere-se ao estado do corpo, a qualquer contração neuromuscular não necessária; tensões, desde as mais visíveis às mais subtis. Refere-se ao aparecimento e manutenção de sintomas psicossomáticos como resultado de um estado de constante alerta perante possíveis perigos e ameaças.

R eaction tem a ver com automatismos tais como a reatividade repetitiva característica do funcionamento em piloto automático. Perante um obstáculo essa reatividade caracteriza-se por um comportamento de luta ou fuga ou simplesmente por inação, congelamento, paralisação física e psíquica ou completa resignação.

A nalysis significa aqui análise cognitiva característica daquilo a que chamamos uma cabeça sem ligação ao corpo (cabeça sem corpo), uma fuga na racionalidade, na lógica, levando, por vezes, a uma completa ausência de sensações, ou melhor, tentativa de controlo dos sentimentos e das emoções.

S eparation é a sensação desconfortável, às vezes sentida como pano de fundo na nossa vida, um sentido de separação caracterizado por lutas, conflitos internos e sensações de nostalgia, tristeza ou isolamento, com esta sensação de não pertencer ou não ser de cá, acompanhada de desejos profundos de paz e o sonho de “voltar a casa” ou algo semelhante.

H urt refere-se aqui a toda a espécie de dor psicológica, a todo o sofrimento, sentido de ferida interna, vazio, falta de significado no que se faz.

O estado COACH é o oposto a tudo isto:

C entered

O pen

A wareness

C onnected

H olding

O estado COACH é também definido às vezes como a nossa zona interior de excelência ou a melhor versão de nós mesmos caracterizada por foco, clareza, paz, vivência plena do aqui e agora, etc. Mas vai muito para além disso. Para quem está familiarizado com artes marciais, hinduísmo ou budismo, faz lembrar estados definidos na filosofia oriental como nirvana, natureza de buda ou iluminação espiritual. Em PNL acentua-se a funcionalidades. O estado COACH serve para enfrentar qualquer situação na posse de toda a nossa potencialidade e ter sucesso no que se faz. E aqui é preciso ter cuidado. O estado COACH não é uma técnica como as técnicas clássicas de PNL. Aliás, Stephen Gilligan já não considera estes desenvolvimentos como sendo PNL, mas sim como fazendo parte de algo novo chamado: Transformação Generativa.

O estado COACH não deve ser tratado de forma isolada, como técnica com um objetivo para resolver algo muito específico. É uma prática contínua dentro do quadro da nossa visão e missão no mundo para transformação ao nível da identidade e da espiritualidade (utilizando aqui os níveis neurológicos de aprendizagem e transformação de Gregory Batesson), enquadrado no nosso propósito de vida. Sem esta dimensão torna-se uma banalidade como muitas outras.

Não só são reconhecíveis na prática do estado COACH elementos de PNL, por exemplo, a utilização na mesma prática dos 3 sistemas de representação (visual, auditivo, cinestésico), o direcionamento da atenção (up time), o esvaziamento da mente (conhecido como not knowing ), como elementos vindos do aikido (centragem, ponto Hara, Chi ou ki), mindfulness (mente alerta sem julgamentos); são utilizados movimentos, tais como no Tai Chi e mudras que acompanham cada momento do processo, mas também a aceitação incondicional de tudo o que possa surgir no nosso caminho e todos os seres tal como é característico do budismo Mahayana. Também é claro aqui o conceito de campo e conexão que nos faz lembrar algumas noções da quântica. Vejamos:

C entered, centrado, ligado ao corpo, às nossas raízes, à terra e à nossa inteligência somática, à consciência de nós, sobretudo sentida num ponto dois dedos abaixo do umbigo. É na centragem, esta consciência total do corpo e do seu equilíbrio, que assenta todo o processo.

O pen significa abertura ao outro, ao mundo, sentindo o “cérebro cardíaco” situado no coração a expandir-se, deixando cair todas as barreiras, deixando-se tocar e tocando.

A ttending with A warenes refere-se a um estado mental alerta, desperto, consciente. Corresponde àquilo que é conhecido como mindful, em silêncio, observando e presente, livre de apegos a crenças e valores, preconceitos e julgamentos redutores.

C onnected, conectado às nossas três inteligências, a “cognitiva” e a “somática”, (à “cardíaca” e “entérica”) e à “relacional”, quer dizer, com consciência plena do campo que se estende infinitamente à nossa volta.

H olding, hospitaleiro, acolhedor. Este estado que assenta em todos os outros permite-nos abraçar e transformar de forma criativa e inovadora tudo o que possa surgir dentro e fora de nós. É chamada a aceitação criativa porque é uma aceitação que não é nascida da resignação mas, pelo contrário, bem ativa sem esforço. É um estar no mundo, sem luta, em paz, aceitando tudo o que se nos depara pela frente e, em completa harmonia, criando algo no mundo “de que as gerações futuras se possam orgulhar” citando aqui Robert Dilts.

O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda a manhã, uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Receba e entretenha todos, mesmo que seja uma multidão de dores

que violentamente varre a sua casa e leva os seus móveis.
Mesmo assim trate os seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar a limpá-la para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia, encontre-os à porta rindo.
Agradeça a quem vem, porque cada um foi enviado como um guardião do além

Vamos à prática

Uma prática (diária) para entrar em estado COACH:

  • De pé ou sentado, numa posição confortável, os pés bem assentes, a coluna direita mas relaxada. Faça umas três ou quatro respirações um pouco mais profundas que o normal. Respiração regular a partir da barriga. “Traga a sua mente para os pés”. Concentre a sua atenção na sola dos pés, nos dedos, nos calcanhares… tenha plena consciência do universo de sensações nos seus pés. Expanda a consciência que tem de si pelos joelhos, pelas pernas, pela bacia, pela barriga. Tome consciência do seu centro na barriga. Respire profundamente enchendo o seu peito. Deixe emergir a imagem que possa surgir* e ancore a postura e gesto correspondente. Pronuncie para si mesmo esta frase:

– “Estou presente. Estou centrado/a” (C entered).

  • Expanda a sua atenção subindo lentamente pelo corpo, pela coluna, pelo peito, pelos pulmões… Vá notando as sensações nas diversas localizações no seu corpo. Tome agora plena consciência do seu centro no seu coração. Respire profundamente enchendo o seu peito. Deixe emergir a imagem, ancore a postura e gesto correspondente, e pronuncie para si mesmo esta frase:

– “Estou aberto/a. Há abertura em mim” (O pen).

  • Continue agora dando atenção aos seus ombros, aos seus braços, às suas mãos e depois volte ao seu pescoço, à sua face. Inclua na sua atenção a sensação da sua cabeça, os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca, a língua. Tome plena consciência do seu crânio, do centro da sua cabeça por detrás dos olhos. Respire como se respirasse dentro do seu centro na sua cabeça enchendo-a de oxigénio e energia. Deixe emergir a imagem, ancore a postura e gesto correspondente, e diga a si mesmo:

– “Estou consciente. Estou acordado/a, alerta e lúcido/a” (A ttending with A wareness)

  • Estabeleça agora contacto com todas as sensações no seu corpo começando pelos pés e incluindo os três centros: a barriga, o peito, a cabeça. Tome consciência do que o liga ao centro da terra. Tome consciência de todo o espaço por cima de si, até ao céu, abrangendo o universo. Tome consciência do espaço à sua esquerda e do espaço à sua direita. Todo o espaço atrás de si. Todo o espaço na sua frente. Sinta profundamente a conexão com os seus pés e os centros na barriga, no peito, na cabeça e no espaço que o circunda, todo o vasto campo à sua volta. Tome consciência do enorme repertório de recursos que possui dentro de si e no campo que se estende ao seu redor. Respire profundamente. Deixe emergir a imagem, ancore a postura e gesto correspondente, e diga a si mesmo:

– “Estou conectado/a” (C onnected)

  • A partir deste estado pode acolher todos os recursos, força, afeto, inteligência, compreensão e sabedoria, assim como possíveis energias perturbadas tais como medo, ansiedade, tristeza, tudo o que lhe possa surgir. Tome plena consciência desta capacidade. Respire como se respirasse com todo o seu corpo e para além do seu corpo, enchendo-se a si e à sua volta de oxigénio e energia. Deixe emergir a imagem, ancore a postura e gesto correspondente, e diga a si mesmo:

– “Estou pronto para acolher seja o que for que possa emergir em mim e fora de mim” (H olding).