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Meu 1º encontro

Este foi o meu primeiro encontro com a PNL. E que encontro!

Esta minha história começa, já lá vão uns 30  anos, numa agradável es­tância balnear no Mar do Norte, Egmond aan de Zee (Egmond à Beira Mar) – um daqueles lugares em que, seja verão ou inverno, faça sol ou faça chuva, somos invadidos por aquela sensação interior conhecida por “estar de férias”.

Foi aí que conheci uma PNL hiperativa que prometia oferecer‑nos a forma de realizar os nossos sonhos mais caprichosos.

Egmond aan de Zee fazia parte dos meus passeios habituais de bicicleta, na Holanda do Norte, a uns 30 quilómetros de Amesterdão. São quilómetros de dunas e floresta tranquila, uma reserva natural de infiltração de águas ecologi­camente protegida.

Congruente com as minhas preferências na altura, era meu hábito começar sempre pela pequena livraria da terra, na esquina da entrada principal para a praia, cercada de lojas de moda e desporto, cafés, esplanadas, casas de crepes, restaurantes. E o cheiro a peixe frito, o anúncio dos célebres mexilhões da Nova Zelândia, o arengue cru… Havia muita vida, som e cor, às vezes música, e um mercado. Era uma azáfama e, ao mesmo tempo, um ambiente relaxante que me impressionava e agradava muito em comparação com o que experimento como sendo uma certa agitação, externa e interna, noutras estâncias balneares fora da Holanda. É uma tranquilidade holandesa de saborear prazer, sobretudo naqueles poucos e imprevistos dias de sol nos Países Baixos, onde a terra foi conquistada às águas.

Na livraria, a minha ex-mulher, que me conhecia muito bem, e não tendo certamente em conta as consequências do seu conselho, indicou‑me um livro que estava em promoção, um livro com uma fotografia de um tipo estranho na capa e com um título ainda mais estranho, qualquer coisa como Tsjakkaa, um termo altamente bélico. Este termo, mais tarde, foi‑me revelado como sendo um grito de guerra, que, segundo o autor, foi inspirado da vida do Shaka, chefe tribal e estratega militar que transformou os zulus de uma etnia com pouca expressão territorial num império que ensombrou os desígnios coloniais bri­tânicos.

O que imediatamente me saltou à vista foi a sua camisa branca de tipo clás­sico, com uma gravata aos quadradinhos vermelhos e brancos, um colete pre­to, tudo impecável; nos seus dedos, um anel com o que pressuponho ser um brasão com o seu nome. Aliás, o seu nome, estranho mesmo para holandeses, afigura‑se ser o seu nome verdadeiro: Emile Ratelband. “Ratelband” quer dizer qualquer coisa como “a banda que ratateia”. Na fotografia, Emile tem o braço levantado e podemos ver o seu Rolex por cima do punho da camisa abotoada com botões dourados.

A minha ex-companheira disse‑me, na altura, que aquele era mesmo um livro de que eu iria gostar e que era como se tivesse sido escrito para mim!

Comprei‑o! Não suspeitava de que tinha dado um passo no caminho de uma grande transformação na minha vida. Era um livro cheio de dicas para sair da rotina, sobre pensamento positivo, reviver sonhos de infância, perceber a magia da vida. Era, sobretudo, um livro altamente provocador no que diz respeito a desafiar pensamentos tradicionais de vitimização e impotência.

Já nem posso garantir se os conselhos de que me lembro eram 100% dele ou se sofreram pequenas alterações inventadas por mim no decorrer dos anos. Alguns conselhos são muito banais, outros nem lembram ao diabo. Aqui vão alguns exemplos que me ocorrem de forma aleatória:

Ao acordar, sente‑se direito, levante a cabeça e respire fundo. Faça, nesse dia, um vídeo de si mesmo, saia de casa e dê espontaneamente uma flor a um desco­nhecido. Deixe ficar o relógio em casa e tome um caminho diferente para o seu trabalho. Ou não planeie o dia e vá de férias sem saber onde vai parar. Ou vá jogar de novo às escondidas ou compre um Lego e vá brincar.

Sobretudo, conte as vezes que diz “não” durante um dia. Mantenha as coisas simples, pinte um quadro, escreva um poema ou conte uma anedota se é daquelas pessoas que têm horror a isso. Vá nadar, passear no campo ou saltar de paraque­das, ou até mesmo só brincar com um papagaio de papel.

Se é dos viciados em leitura, deixe de ler tanto. Ou passe a noite sem ver te­levisão ou olhe concentrado durante 10 minutos para um assunto que não lhe interessa. Faça de travesti, siga a sua intuição, siga o seu desejo, telefone a um pintor e deixe que o artista pinte o seu retrato. Ou telefone a alguém com quem teve uma cena desagradável.

Passe um dia inteiro a rir‑se de tudo e, ao chegar a casa, desligue a eletricidade e o telemóvel.

Interessante é passar um dia inteiro sem empregar a palavra “mas”. Faça uma lista dos seus desejos escondidos, vá procurar outro emprego, dedique um dia totalmente à sua família ou passeie nas redondezas e cumprimente os seus vizinhos.

E se é vegetariano, coma um bom bife; se é carnívoro, seja vegetariano, mas concentre totalmente a sua atenção naquilo que faz. Faça o que tem vindo a adiar ou vá almoçar com um sem‑abrigo e ofereça um presente a um desconhecido as­sim sem mais nem menos. Procure uma receita e confecione um bolo e pague as compras no supermercado à pessoa pobre que está na fila à sua frente.

Coma com a mão contrária à usual ou, se ainda não o fez, coma com a ajuda dos pauzinhos chineses. E espante‑se com as coisas mais simples, compare duas rosas uma com a outra. Na estação, apanhe o primeiro comboio que partir sem saber a direção.

Meta a dieta no caixote do lixo, medite se nunca o fez, corte o bigode se tem bigode e, se não tem, tinja o cabelo de vermelho. E dance, sobretudo dance, e tor­ne também o dia de outra pessoa no dia mais feliz da vida dela. Olhe nos olhos de cada pessoa que encontrar, dirija o seu coração para o coração de cada desconhe­cido, esteja por um dia ao serviço do outro. Seja um verdadeiro líder; deixe que, numa fila, toda a gente lhe passe à frente.

Faça um convite a si mesmo para ir ler histórias num lar da terceira idade e anote o dia de aniversário das pessoas que conhece.

Ouse dizer “não”. Ouse dizer “sim”. Sobretudo, mude de opinião constan­temente. Esteja‑se nas tintas. Esteja‑se nas tintas. Compre algo que acha que é dinheiro mal empregue.

Visite um doente ou um desconhecido numa prisão ou reserve um dia inteiro para cuidarem de si. Convide um vizinho de que não gosta para um piquenique ou vá à igreja e cometa um “pecado”.

Deixe que o massajem, massaje alguém e responda a uma ofensa com amor. Sonhe acordado. Vista‑se elegantemente se está habituado a andar mais informal e de forma mais informal se está habituado a vestir‑se elegantemente.

Chegue ao trabalho meia hora mais cedo e torne o seu local de trabalho mais agradável. De forma anónima, coloque um vaso de flores na secretária do seu chefe, ajude a mulher da limpeza. Encha a barriga de ar, respire.

Compre uma agenda se nunca usou uma agenda na vida e, se é viciado na agenda, meta‑a no caixote do lixo…

Li o livro em cerca de três horas. No dia seguinte, durante o meu trabalho, atrás do telefone, pus‑me à procura de Emile e depressa descobri que dava seminários algures na Holanda. Alguns dias mais tarde, lá fui eu, cheio de ex­pectativa, para o seminário de Emile. Quando entrei, às nove da manhã, numa sala enorme do hotel, já umas duzentas pessoas, de pé em cima das cadeiras, sob uma música ensurdecedora, batiam palmas e, batendo com o punho no peito, gritavam: “Tsjakkaa! Tsjakkaa!”

Percebo quem ainda hoje, na Holanda, traz na memória estes acontecimen­tos históricos. Para algumas dessas pessoas, a PNL continua a ser qualquer coisa como um sinónimo de seita. O problema fundamental dos “salvadores” não é que tenham de falar cada vez mais alto para convencerem os seus seguidores. O problema é que têm de falar cada vez mais alto para se convencerem a si mesmos.

– Onde é que me vim meter? – Perguntei‑me a mim mesmo nessa manhã, ao entrar na sala e deparar‑me com tal cena.

Emile Albert Rudolf Ratelband (1949‑) diz ter aprendido com o maior guru mundial do desenvolvimento pes­soal, Tonny Robbins (1960‑). Emile fala a uma velocidade vertiginosa do poder da mente e do pensamento positivo, multi­plicando os exemplos extraordinários de sucesso na sua vida, transformando depressões de pessoas na sala, saltando sobre vidros, atravessando tábuas com golpes de karaté, curando fobias. E, no palco, desfilam pessoas que sofrem de pânico, gente fóbica de serpentes e aranhas. Após poucos instantes, essas mes­mas pessoas acariciam, no palco, serpentes de verdade e deixam que os seus corpos nus sejam cobertos de aranhas gigantes. Outros passeiam sobre vidros e há truques de circo em que as facas voam à volta da cabeça de um voluntário. Na corda bamba, dezenas de pessoas passeiam facilmente a 20 cm do chão, enquanto só alguns se aventuram quando a mesma corda atinge um pouco mais de um metro acima do solo. Metáforas ao vivo seguem‑se a um ritmo que certamente faria inveja a qualquer profissional do espetáculo. Exige respeito no que se refere a show.

Como é que é possível que uma figura destas me tenha escapado, uma das figuras mais mediáticas da Holanda já naqueles anos?

Às três ou quatro da manhã o show termina com umas quinhentas pessoas a andar sobre carvão incandescente a uns oitocentos graus centígrados e gritan­do, claro, “Tsjakkaa, Tsjakkaa!”.

E toda aquela gente acaba o workshop dançando e abraçando‑se, todos jun­tos, quinhentas pessoas de mãos dadas, ao som de “O Círculo da Vida”, do filme O Rei Leão, não faltando quem dance numa cadeira de rodas.

Claro que estamos aqui na presença de uma forma muito particular de PNL, que não é a minha, mas o certo é que a minha vida nunca mais foi a mesma desde aquele primeiro contacto. O próprio Emile considera que esta abordagem é constituída por dois elementos básicos, o entretimento e o treino (formação), que, juntos, formam algo a que se pode chamar “entretreino”. Este conjuga, segundo ele, as características dos nossos dois hemisférios cerebrais, o que aumenta as possibilidades de aprendizagem e facilita a mudança, que é, afinal, o que se pretende.

Poupo‑vos a descrição pormenorizada das coisas que fiz naquela época no seguimento deste seminário, tanto na vida privada como profissional. Limito‑me às grandes linhas.

Se na minha vida privada foi um grande passo que me levou ao trajeto de PNL como fundamento, atitude e até maneira de viver, profissionalmente foi também muito funcional. Na altura ainda não era muito popular a palavra coa­ching no sentido atual. A minha função profissional tinha, na altura, o nome de “acompanhamento pessoal”, o que equivale exatamente ao que neste momento é denominado de coaching de vida e carreira profissional. Trabalhava para a Câ­mara de Amesterdão, para o Serviço Social e para o Ministério do Trabalho na Holanda, e tinha como objetivo ajudar as camadas consideradas desprivilegia­das e desempregadas em Amesterdão no campo da reintegração social, treino de entrevista, melhoria da autoimagem, formação técnica e psicológica, procura e aquisição de emprego. Como um dos grandes problemas dos nossos forman­dos residia, fundamentalmente, no campo da autoimagem, da desmotivação e da vitimização, um programa como o que estava a ser dado por Emile Ratel­band, direcionado para a criação de peak states e de um ego tão grande como a distância entre Amesterdão e Tóquio, com vista a fazer disparar elevados mo­mentos de motivação, foi muito bem‑vindo, e no preciso momento.

Emile deu a conhecer à Holanda, em grande escala, numa forma altamen­te espetacular, a sua versão muito pessoal de PNL. E se inspirou muita gente atiçando a sua curiosidade, como fez comigo, criou também um público com uma alergia intensa a tudo o que se referia à Programação NeuroLinguística.

Consciente da utilidade do novo método, comecei imediatamente a contra­tar especialistas, sobretudo no campo da PNL aplicada ao ensino, para formar os professores que faziam parte da minha equipa. Devido à alergia de muitos ao Tsjakkaa de Emile Ratelband, era então tabu empregar o termo PNL. De­nominámos, pois, todos os cursos efetuados, cursos esses que viriam a elevar o nível e a transformar radicalmente a nossa organização educacional e forma­tiva, como cursos de “inteligência emocional”, o que facilmente facilitou a sua aceitação e implementação.

Foi com base nestas experiências que resolvi recriar a minha vida com PNL: certifiquei‑me como Practitioner, Master practitioner, Trainer, fiz repetidas as­sistências em todos os níveis e centenas de horas de coaching e terapia. E deu‑se, então, a decisão maior, o grande passo: espalhar a PNL em Portugal a partir de 1 de janeiro de 2000.

Quando cheguei, a PNL era praticamente desconhecida neste país. Tenho um certo orgulho ao apreciar, após 22 anos, os resultados à minha volta.

Do livro: “Descobrir a PNL”,  José Figueira (2014)