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Nada é real

Este modelo de comunicação é um dos mais utilizados em PNL. Trata-se, no meu entender, de um modelo altamente simples e esclarecedor do processamento da informação. Diz-nos que o eu psicológico é o resultado de um processo de interação entre nós e o que consideramos como exterior, processo esse que consiste em uma filtragem através de memórias e emoções, crenças, medos e esperanças. Tudo isto acaba por ser expresso em narrativas linguísticas pessoais sobre quem julgamos ser e sobre o que acreditamos ser o tal mundo exterior. Quer dizer, para a maioria de nós toda a nossa vida se resume a um processo dinâmico contínuo imaginado (“mapa” em termos de PNL) que confundimos com realidade. Para poder sobreviver socialmente acreditamos nas nossas construções mentais como se tudo isto que se passa na nossa mente fosse verdade. Como a confusão é generalizada (em Advaita chama-se “ignorância”) ninguém dá por isso e assim as coisas aparentemente funcionam como funcionam.

É um modelo extremamente eficiente que favorece de forma muito simples a compreensão do processo à volta da maneira como nos sentimos e como agimos. Como sentimos e reagimos é o resultado direto do que imaginamos que somos e do que o mundo (“território” em termos de PNL) é. Quais são as consequências deste ponto de vista para coaches, psicólogos, terapeutas? Se as coisas não correm como desejamos (e as coisas geralmente nunca correm como desejamos), usamos então ferramentas para transformar o que imaginamos sobre nós e sobre o mundo. Na verdade o que fazemos então, é substituir o estado atual (imaginação atual) pelo estado desejado (uma imaginação futura mais adequada). Este processo de transformação consiste basicamente em introduzir nova informação (recursos considerados mais adequados) nas situações emocionais ou comportamentais chamadas “limitadoras”.

Este é um processo que parece poder aliviar, mas que não resolve nada essencialmente porque nada disto tem a ver em como as coisas são (ninguém sabe como as coisas são realmente). Trata-se pois de substituição de imaginação por imaginação, fortalecendo cada vez mais um teatro obstinado de transformação e enriquecimento de… personagens (atores, eus, egos, “mapas”). Algures temos a consciência disso e daí uma inquietação profunda mais ou menos evidenciada e visível nas visitas renovadas ao coach, psicólogo, terapeuta, cultos, especialistas alternativos, etc. No fundo, não nos cansamos, inutilmente, de formular objetivos. E assim mantemo-nos entretidos.

Todo este processo de transformação e fortalecimento de uma vida imaginária pode levar, consciente de que fazemos aqui uma enorme generalização, a duas espécies distintas de atores:

Um dos mais populares é a negação ou esquecimento intencional de que o que pensamos, sentimos e fazemos é, embora com consequências práticas, pura imaginação. Se somos fracos devemos ser mais fortes. Exige trabalho árduo, uma (re)construção mental contínua cada vez mais sólida (uma mindset forte, positiva), o que obriga inevitavelmente a um repetitivo grito de auto convencimento cada vez mais alto do tipo Tonny Robbins.

Um oposto a esta manifestação ruidosa exterior de “poder” ocorre mais no silêncio interior. Consiste na criação imaginativa de intenções positivas ao nível da espiritualidade, como é o caso, por exemplo,  em Robert Dilts, que nos dão a sensação de que estamos conectados connosco e com o todo e contribuindo para um mundo melhor.

Então nada disto tem sentido?

Claro que tem. Assim como Tony Robbins pôde abrir o caminho a muita gente (como a mim mesmo) para uma maior profundidade na compreensão do eu psicológico, assim também os caminhos mais atuais de Dilts, Gilligan e Connirae Andreas podem abrir brechas no mundo da imaginação (mapa) e levar pessoas a, no seguimento de Sri Râmana Mahârshi, perguntarem-se: – Afinal “Quem Sou” verdadeiramente?

A consciência plena de que vivemos num mundo virtual, feito de “eus” imaginativos à procura de prazer ou fugindo da dor, a grande parte das vezes em conflito, resultantes da organização dos nossos órgãos dos sentidos, do funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, pode levar a posições extremas. como é o caso do impressionante Tony Parsons. Assim revela ele no “Segredo Aberto”:

Tudo o que existe é nada que aparentemente acontece.

À primeira vista, esta é uma proposta simples, mas paradoxal. Também é radical porque reconhece que o conceito de eu (self) é ilusório, juntamente com qualquer crença no livre arbítrio e na escolha. Como não há nada a acontecer também não haverá nada para procurar ou em que se tornar.

E como é que pode haver um significado ou um propósito nesta existência aparente se aparentemente não está nada a acontecer? Esta proposta dissipa qualquer ideia de haver uma história ou uma agenda de qualquer tipo que leve a algo melhor ou a pior.

Então, se nada realmente está a acontecer, então este nada que é desconhecido, e muitas vezes temido, é também a própria plenitude e liberdade que se almeja.

 

Uma coisa é analisar este processo do funcionamento da mente, outra coisa é estar alerta, consciente e experienciá-lo. Para aqueles a quem eu consegui explicar como eu vejo o processo, vou partilhar aqui uma experiência muito especial de algumas semanas atrás, mas que está presente em mim como se acabasse de ter tido lugar.

À noite antes de ir para a cama, estive a ver no YouTube um dos últimos satsangs online de Tony Parssons. No dia seguinte, logo de manhã, sentado num banco no exterior de um Centro de Saúde, observava as pessoas que se dirigiam ao Centro e voltavam depois de vacinadas contra o Covid. De forma inesperada tive uma sensação como se, de repente, uma lufada de claridade preenchesse todo o espaço tornando-o aparentemente irreal.

O primeiro pensamento que me surgiu (o diálogo interno surge de imediato com explicações) foi o mantra fundamental de PNL: “o mapa não é o território”. O todo era agora um aparente mapa que emergia num aparente território. Um aparente eu que se designava por José Figueira aparentemente sentado numa expressão de qualquer coisa que simulava ser um banco parecia observar outras ilusões disfarçadas de pessoas. A sensação, se lhe posso chamar sensação, aprofundou-se. As árvores não eram árvores, eu não era eu, não existia banco, nem gente, nem cidade e as palavras perdiam o sentido. Não há mapas, nem territórios, há sonho ou espetáculo ou nada disso ou só vemos, ouvimos e sentimos representações de qualquer coisa que nunca conheceremos. Família ou trabalho ou vida privada… são simplesmente crenças sobre algo que pensamos real seguidas de crenças sobre crenças numa matrix espiralada feita de nada e tudo isto aparentemente acontece independentemente da crença ilusória de escolhas e livre arbítrio, como diz Tony Parsons,. Só resta Luz, Energia e Silêncio.

 

Não sabemos nada. E isso é, talvez, o bom princípio. Não sou talvez tão radical como Tony Parsons, acho que existe algo a que chamo eu e algo a que chamo o mundo, mas não sabemos absolutamente nada do que se trata. Tudo aquilo de que temos consciência são representações virtuais imaginárias que assumimos como reais. E isso deveria encher-nos a todos de humildade.

  1. F.