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O Budismo

Se em gerações passadas, no que diz respeito a crenças, a gente morria como tinha nascido, a sociedade global oferece agora altares para todos os gostos. O “exotismo” deixou de ser exotismo e começa a ser difícil encontrar no mundo ocidental uma casa em que não haja uma imagem de um Buda. E até, geralmente, o que encontramos é um monge chinês gordinho a fazer-se passar por Buda.

Apesar da popularidade crescente do Budismo, poucas pessoas se consideram budistas. Elas praticam meditação praticamente como equivalente do budismo, embora muitos monges budistas no oriente nem sequer saibam o que é isso.

Há muito que se diga sobre o budismo. Bibliotecas cheias. Mas como preparação para o futuro, fiquemos agora pelo básico.

Toda a filosofia do Budismo é baseada numa profunda análise psicológica do indivíduo. Talvez ainda de uma forma mais explicita que em outras correntes na Índia, tem como fim o desapego da ligação ao mundo e aos conceitos mentais concebidos como prisão e fonte de desconforto, para que se atinja a libertação (“nirvana”) da cadeia repetitiva de sofrimentos.

Siddharta Gautama (? 566-486 AC), o Buda, o Desperto, nasceu com os 32 sinais que caracterizam, segundo a tradição, os grandes homens. Foi fruto de um sonho, segundo a lenda, um elefante branco penetrou por um dos flancos da sua mãe. Até aos 29 anos viveu uma vida isolada de luxo e, pelo que consta, muito feliz num harém com 84 mil mulheres e bem protegido pelo pai para que se tornasse um líder mundial. A história é conhecida.

Um dia, parece que magicamente, as portas do palácio abrem-se e Gautama é confrontado no mundo com velhice, doença e morte. Impressionado procura uma solução para a libertação da miséria humana e parte como asceta, durante 6 anos de completa privação dos prazeres do mundo, procurando aprender dos mestres. Desolado resolve um dia sentar-se debaixo de uma figueira dos pagodes (ficus religiosa) esperando pela verdadeira sabedoria. E é aí que, ao fim de algum tempo, recebe a iluminação, descobre a origem do sofrimento, torna-se o Buda e anuncia o Caminho do Meio em que tem lugar definitivamente o fim do dualismo (prazer e dor, bem e mal, eu e não-eu) e a atenção recai sobre o aqui e agora livre do direcionamento obsessivo do ego à satisfação do desejo. Todo o seu ensino recai então na libertação do indivíduo evitando toda e outra qualquer questão.

Pode empregar-se o conceito Buda com diversos significados. Tradicionalmente fala-se de 3 Budas (trikaya):

  • O Buda histórico (nirmanakaya) refere-se aos muitos Budas que antecederam Siddhartha Gautama e os que ainda hão-de vir. As profecias rezam que o futuro Maitreya Buda surgirá do ocidente para iluminar o mundo.
  • O Buda espiritual (sambhogakaya) refere-se à possibilidade prática da realização da natureza de Buda no dia-a-dia.
  • O Buda Absoluto (dharmakaya) corresponde ao princípio da iluminação, a verdade última e que está presente em toda a parte, em nós mesmos, nos animais, nas flores, numa pedra…

Buda anunciou ter descoberto as 4 grandes verdades da existência humana que definiu dentro do quadro de uma estrutura de intervenção corrente em medicina, estrutura essa que podia servir para qualquer uma das nossas intervenções em coaching ou terapia:

  • O problema: toda a existência é sofrimento (dukkha – desarmonia, desconforto). Nós, a nossa vida e o mundo, estão em contínua transformação, isto é, de forma muito prática podemos dizer que qualquer momento de felicidade tem o seu fim. Não há nada a que nos possamos agarrar como tábua de salvação. Tudo o que possamos fazer fazemo-lo numa tentativa impossível de realizar – controlar o processo do decorrer das coisas.
  • A diagnose: a origem do sofrimento é o desejo, mais exatamente, o apego ao desejo. Passamos a vida ocupados a construir um ego ocupado na satisfação do prazer e no afastamento da dor, todo o tempo a construir algo que desejaríamos estável e que inevitavelmente se desmoronará.
  • Break: O desejo pode ser neutralizado, e é esta a mensagem de libertação.
  • A solução: há uma saída que se faz, segundo Buda, através dos clássicos 8 caminhos que se resumem em sabedoria (compreensão e intenção justa), comportamento ético (em palavras, comportamento e forma de sobrevivência) e concentração (adequado esforço, consciência e foco). No mundo ocidental estes 8 caminhos foram praticamente reduzidos a “mindfulness”.

O caminho da libertação e da iluminação espiritual em que tem lugar o desaparecimento total do desejo, não é uma escala hierárquica progressiva de desenvolvimento, mas pode ser considerado como uma espiral repetitiva que nos aproxima cada vez mais do centro e que se traduz com a neutralização do ego feito de ignorância, controle e desejo. É também chamado o Caminho do Meio, quer dizer, entre os extremos de prazer sensual (kamasukhalikanuyoga) e ascese (attakilamatanuyoga).

Talvez ainda mais importante que tudo isto (ou inseparável) para uma compreensão da filosofia do Budismo são aquilo a que podemos chamar os cinco níveis do ego ou os cinco agregados fundamentais da associação ou apego de que uma personalidade é constituída:

  • A matéria ou a forma física (rupa) que se refere aos objetos externos a nós e no qual se inclui o próprio pensamento.
  • As sensações e as emoções (vedana) resultantes do contacto dos cinco sentidos com os objetos e que resultam em respostas agradáveis, desagradáveis ou neutrais.
  • A perceção e as representações (sañaña) no qual se inclui a memória de situações passadas que filtram as experiências presentes e que objetivam os dados da perceção.
  • As intenções conscientes e inconscientes e os pensamentos, (sankhara) tais como amor e ódio, confiança ou desconfiança, apego ou desapego, etc. e que estão na origem do comportamento e que lançam a discussão à volta dos limites das nossas decisões e livre arbítrio.
  • Finalmente a consciência dos objetos e dos estados sensoriais e o foco (viññana), resultando no insight que, na verdade, o “Self” não existe. Só existem estas 5 categorias e estas mesmas 5 categorias não têm existência como Eu ou Self. Tudo se joga dentro destas categorias que sentimos como sendo um Ego mas, na verdade, movemo-nos simplesmente num campo ilusório.

Estes cinco agregados não formam uma pessoa. Trata-se simplesmente de um processo de formação e destruição sem que no processo se crie qualquer substância. Não há um sujeito, apenas processos (dharmas) que se seguem uns aos outros de forma ininterrupta. Atribuir a estes processos uma entidade real chama-se em Advaita, “ignorância”.

 

Cerca de 100 AC o Budismo diferenciou-se em duas correntes:

  • Os Hinayanisten, mais conservativa, que procuram a salvação pessoal, a qual que é destinada a muito poucos e que se desenvolveu por umas tantas escolas das quais só uma resta nos nossos dias, a Theravada em Sri Lanca, Myanmaar e na Tailândia.
  • O Budismo Mahayana, mais liberal e progressivo, abre a possibilidade de iluminação a todos os seres humanos e deu origem a duas escolas filosóficas: Madhyamika e Yogacara.

O Budismo com os seus  mais de 380 milhões de seguidores continua a crescer tanto na sua forma Tibetana sob inspiração do Dalai Lama, como o Budismo Zen, sobretudo na China e Japão.

No ocidente, sobretudo nos Estado Unidos e na Europa, nota-se um crescimento contínuo de interesse que teve a sua origem nos anos 60.

Se quisermos fazer uma comparação do Budismo com o Hinduísmo, talvez a nuance que nos salte à vista seja a questão do Self. No Hinduísmo aparece o conceito Atman como eterno e indestrutível enquanto no Budismo há uma negação radical no que respeita a existência de um Self (na-atman).

Se considerarmos a Advaita Vedanta como uma forma de ensino e não como Verdade, então não nos podemos agarra a conceitos e muito possivelmente chegamos a um ponto em que estas diferenças de formulação perdem todo o sentido. Aliás, também no Budismo esta ideia do não-Self parece ter um fim pragmático: neutralizar a sensação de “eu” e “meu” responsáveis pelo aprisionamento das pessoas no ciclo da satisfação da sede produzida pelos sentidos e que conduz à inevitável reprodução do sofrimento.

Eu resumiria as aprendizagens do Budismo, para mim, desta maneira:

O desconforto essencial estará presente sempre em nós enquanto houver ignorância, quer dizer, enquanto nos agarrarmos ao desejável ou querermo-nos afastar do indesejável. Mais exatamente, a ignorância consiste, no meu entender, em não termos ainda percebido que tanto uma coisa como outra estão condenadas ao fracasso. E o sofrimento será tanto maior quanto a gente se preocupar com isso.

 

Marc Brookhuis, Vijf levensbeschouwingen

Jan Bor, Errit Petersma – De verbeelding van het denken