A grande questão do ser humano a partir do momento em que pôde pensar noutras coisas que não fosse apenas comer e reproduzir-se, foi talvez fazer perguntas tais como quem sou e o que é o mundo, qual a relação entre mim e o mundo, existe o mundo independentemente da minha consciência, o que é real…
Por um lado é uma grande perca de tempo. Qualquer resposta que se encontre é uma construção imaginária resultado da natureza da mente e nunca abarcará o próprio criador da resposta. O que pudermos dizer sobre quem somos e sobre a essência do mundo ou significado da vida será realmente sempre uma fantasia.
Por outro lado lança-nos numa aventura que nos leva à descoberta gradual de como nós e o mundo possivelmente são feitos. Toda a ciência, filosofia ou religião, desvendam resultados. A origem primordial permanece em segredo.
O que sabemos realmente sobre nós? Sabemos que temos uma parte somática com dois centros, um entérico e um cardíaco e uma parte cognitiva muito imaginativa ocupada, entre outras coisas, na busca e criação de significados. Todas as construções mentais são produtos dessas componentes e, portanto, limitadas, quer dizer, “infetadas” pela história da civilização, história essa que é um produto de si mesma, sobretudo feita de aglomerados de crenças e crenças sobre crenças. Resumindo: é tudo uma narrativa de narrativas, pressuposições que giram à volta do conhecedor e do conhecido. E assim a gente se vai entretendo.
Não haverá uma forma de sair do circulo das especulações?
Desde tempos imemoriais tem havido inúmeras tentativas.
Por exemplo, Edmund Husserl (1859-1938), fundador da subdisciplina filosófica conhecida como fenomenologia, propôs suspender o juízo a respeito das coisas, pôr entre parêntesis todo o nosso conhecimento do mundo, deixar provisoriamente de lado todos os preconceitos, teorias e definições que utilizamos de forma natural para conferir sentido às coisas. Sem a intervenção de conceitos prévios olhemos então para nós e para o mundo como se fosse pela primeira vez. O que se espera desta redução fenomenológica, quer dizer, a consciência pura na sua interligação com o mundo, é a experiência das coisas tal como são, o que nos dará, talvez, novos insights sobre nós e o mundo.
Este ato de despir-se de todos os conceitos e abrir-se à experiência, conhecido como not knowing, abre-nos as portas para uma nova dimensão de conhecimento livre dos limites naturais do pensamento tradicional. Consideradas grandes descobertas da humanidade tiveram lugar provavelmente quando os seus descobridores se encontravam em estado de not knowing: são conhecidos os exemplos de Aiquimedes saindo do banho a gritar Eureca ou a maçã que caiu na cabeça de Newton como justificação para a descoberta das suas leis universais. Tanto Einsten, Mozart e muitos outros afirmam que as suas grandes obras lhes chegaram inesperadamente como que por “inspiração”.
Encontramos este mesmo conceito na maioria dos movimentos religiosos e espirituais como, por exemplo, no hinduísmo e no budismo na forma de meditação, com o intuito de nos descontaminarmos das interpretações e significados que inventamos e conhecermo-nos como somos realmente, quer dizer, atman no hinduísmo ou a natureza de Buda no budismo. O uso destas técnicas de meditação, conhecidas popularmente como mindfulness, atenção plena, observação e vivência do aqui e agora, com completa abertura e sem qualquer julgamento, têm-se generalizado no ocidente sobretudo no seguimento da ação missionária do monge budista Thich Nhat Hanh (1926-2022) e dos trabalhos em medicina do doutor Jon Kabat-Zinn (1944-). Está a ser utilizada não só em medicina como em psicologia como faz parte inevitável do repertório do movimento espiritual ocidental onde até já encontramos cursos no mercado onde se podem adquirir certificados.
Concluindo por agora. A utilização de qualquer técnica de investigação, com ou sem a colocação entre parêntesis de todo o nosso arsenal adquirido no nosso processo de aculturamento, destinado à revelação do que é o mundo e, sobretudo, desvendar “quem sou”, não oferece qualquer garantia de sucesso. Tudo narrativas. Como já dizia Jiddu Krishnamurti (1895-1986), não há nem nunca existiu um caminho que nos leve a desvendar o grande segredo.
Mas… se não fizermos nada… nada acontece.
No seguimento de:
D.J. Hobbs, Towards a Phenomenology of Values, Investigations of Worth