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Tudo Zen

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Mas o que é Zen afinal?

Zen ou Budismo Chan, transcrição chinesa abreviada de dhyana que significa meditação e concentração, teve a sua origem no sul da India (ou na Ásia central?) e foi levada para a China por Bodhidharma (482-539 dC).

Não pode ser compreendido através de palavras nem de forma racional como dizem os seus entendidos. Zen procura o caminho direto para a “salvação”. Sem palavras. Um dia fizeram uma pergunta ao Buda e este manteve-se em silêncio unicamente mostrando uma flor. Enquanto os seus discípulos esperavam pelo discurso do Mestre, Mahakashyapa simplesmente sorriu e percebeu esta transmissão de modo a atingir imediatamente a iluminação. Este discípulo foi desta forma, assim reza a história, nomeado por Buda como o primeiro patriarca Zen.

A natureza universal de Buda, imanente em cada um de nós, metaforicamente expressa em frase como “a imagem do nosso rosto antes de nascermos”, é a nossa própria essência, se é que no Budismo possamos falar de essências. A iluminação consiste na experiência da realização instantânea dessa natureza que pode ser conseguida sem qualquer estudo de textos canónicos nem qualquer tentativa de compreensão cognitiva. Pode ter lugar através de um confronto ou transmissão directa de mestre a discípulo muitas vezes com o apoio de práticas e piadas que nos podem parecer altamente bizarras tais como paradoxos, e gritos, respostas fora de qualquer quadro e uma disciplina severa com o fim de forçar uma ruptura imediata com aquilo a que chamamos o estado normal das coisas.

São 4 as regras que formam a base do Zen:

– a transmissão é directa e é feita sem ser através de palavras ou textos e

– não está, portanto, dependente dos escritos;

– é direcionada diretamente à “alma”, algo como um break,

– para que se chegue ao reconhecimento imediato da verdadeira natureza de Buda a qual é a nossa verdadeira natureza.

O foco é, portanto, o interior de nós mesmos, o que se traduz radicalmente em frases como esta: “se vires o Buda aí fora, mata-o”. Poderíamos pois dizer, na nossa linguagem popular ocidental, que se trata de despertar o Buda que já trazemos dentro de nós.

Meditação, rituais como a cerimónia do chá, questões sem resposta possível (os chamados koans), arte de característica espontânea, mas também o trabalho simples feito com toda a atenção como é expresso em frases como “a mais alta verdade é transportar água ou cortar lenha”. Este trabalho simples no aqui e agora em que a sensação do tempo desaparece e em que se pretende uma unificação completa com a atividade a que Eckhart Tolle dedica grande parte da sua atenção, produzindo um estado de paz e felicidade, tornou-se claro, no meu entender, no conceito “flow” do psicólogo húngaro Csikszentmihaly.

No século VII ocorre uma divisão dentro do Budismo Zen:

– a escola do Shen-hsiu que se tornou no século XIII, no Japão, o Soto-Zen – a iluminação é um caminho processual e é preciso estar atento e constantemente praticar muito Zazen (sentado de forma atenta na mesma postura do Buda) o que deu origem a muitas críticas na altura, tais como sendo um caminho impossível para obter iluminação: “esperar que polir uma pedra a transforme num espelho puro” parece não ser tarefa fácil.

– a escola do Hui-neng, que se tornou o Rinzi-Zen, também no mesmo século no Japão e mais ligada à elitista classe dos samurais, parte do princípio que a iluminação pode acontecer inesperadamente, a cada momento, e acentua especialmente o uso dos koans porque, segundo esta escola, a meditação só por si não chega. Alguns exemplos de koans têm a forma de questões como estas: “Como se joga esgrima sem espada?”, “Qual era o seu rosto antes de nascer?”, “Qual é o som de uma única mão quando se bate palmas?”, “Qual é o som do silêncio?”.

O Budismo Zen tornou-se muito importante no Japão do século XII. Foi grande inspirador de artistas, pintura e caligrafia e assistimos à criação de uma nova forma de poesia (haiku), desenvolveu-se o ritual do chá, como também se abriu ao caminho dos samurais que fundamenta o espírito militar japonês.

A partir do século XX assistimos a uma grande expansão do Zen no ocidente sobretudo ligado nos anos 50 à geração hippie, o que podemos testemunhar em escritores como Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Associa-se hoje em dia Zen a liberdade, iluminação, desapego, encontrar a sua verdadeira natureza, autorrealização, sentir-se em paz e sorrindo aquele sorriso em que, às vezes, se tem a sensação que estamos perante uma fabricada “felicidade zen”. Este tipo de Zen ocidental é também conhecido como “budhism light”, um processo muitas vezes acompanhado de massagens com óleos essenciais, incenso e música relaxante.

De qualquer forma, Zen ressoa em nós. Queremos ser livres, vermo-nos a nós próprios e ao mundo desprovidos dos filtros interpretativos que são o resultado da nossa história para, a partir daí, podermos observar e vivenciar as coisas como elas são. Em termos de Zen, uma metáfora muito usada para descrever este processo, é esta:

“Quando comecei com Zen as montanhas eram apenas montanhas e os rios eram apenas rios. Passado um tempo de estar ocupado com Zen, as montanhas deixaram de ser montanhas e os rios deixaram de ser rios. No momento em que verdadeiramente percebi Zen, as montanhas eram apenas montanhas e os rios eram apenas rios”.

É interessante que em Zen não encontramos regras éticas de comportamento social. O pressuposto parece ser este: a natureza de Buda é a nossa natureza. No momento em que ela acordar (se é que alguma vez esteve adormecida), no momento em que nós acordarmos, então sabemos o que é justo fazer.

 

Michel Dijkstra, Zenboedhisme

Paul van er Velde, In de huid van de Boedha